Tema Acessibilidade

Antagônicos – crônica coloquial

• Atualizado

Após uma estressante semana de trabalho, necessitava viajar até Arapiraca no fim de semana para fazer compras. Sendo assim, a faxina que de praxe fazia nos sábados, teria que ser feita na sexta-feira a noite para poder dispor do sábado livre.

Enfim, chegou o sábado. Dia de sol, céu azul, perfeito! Arrumei-me e peguei a bolsa. Ao passar pela sala de estar avistei um dos meus periódicos favorito ainda lacrado.

É meus amigos, nesses períodos de super-mulheres contemporâneas tempo é um artigo de luxo. Peguei a revista e coloquei na bolsa. Já havia passado quinze dias de sua chegada, mas não conseguia tempo para ler. Finalmente leria... Durante os minutos de Teotônio Vilela até Arapiraca faria minha leitura.

Chegando ao ponto de transportes alternativos, logo o motorista anuncia: “Entrem, estamos indo!”

Sentei-me no último banco. Gosto daquele lugar com uma elevação à frente. As pernas ficam suspensas e propicia conforto para ler.

Ah, mais um passageiro chega. Abre-se novamente a porta da Van. Ele entra até onde eu estava e diz:

“Bom dia moça!”

Respondo: Bom dia!

Ele: Pode ir mais pra lá?

Eu: Posso.

Pensei, que pena, perdi o lugar da leitura.

Quando o carro começou a ‘andar’ abri a bolsa e retirei a revista. Tenho um ritual para ler revistas. Primeiro leio a capa, depois vejo o índice para saber o assunto das outras reportagens. Leio por ordem de interesse.

Começo a fazer a leitura e...

Meu vizinho de banco toca no meu ombro e pergunta: Moça gosta de ler?

Eu: Ah sim, gosto. E volto a ler.

Ele novamente: É de que essa revista?

Eu: sobre Literatura.

Tento voltar os olhos para a leitura, mas antes sou indagada:

Essa Literatura daí é como a da escola?

Eu: Sim, a revista trata de Literaturas de Língua Portuguesa, mas também tem conteúdo de literaturas de outras línguas.

Volto atenção para revista e penso “que bom, não fará mais perguntas!”. Mas então, ele resolve ‘ler junto’. Fica mais próximo, inclina a cabeça e fica lendo...

Olho-o fixamente na tentativa de que leia meus pensamentos: Deixe-me ler em paz! Ele ignora, abre um grande sorriso e eu, com um risinho amarelo de raiva tento voltar a ler.

Deixei-o incógnito (se isso fosse possível, pois sentia até sua respiração!) e retomo a leitura. Terminei então as duas páginas e ele olhando, olhando em direção a revista...

Fiquei constrangida para virar a página e pensei: Eu mereço esse castigo, tenho que merecer!

Olhei-o e disse: Posso fechar?

Ele: Posso pegar?

Sem responder entreguei-a em suas mãos. Quase não consegui conter a raiva, pois ele a pegou e fechou. O ‘cabra’ começou então a folhear página por página molhando antes o dedo indicador na língua. Minha visão escureceu e contei até mil nessa hora. Ele não estava lendo, se tivesse teria continuado quando lhe dei.

Após revirar sem se ater em nenhuma leitura devolveu. Então numa tentativa de afrontá-lo disparei: Interessa-se por Literatura?

Ele: Quando estudava lembro do professor ter falado de um tal de barroco, acho que tem nos prédios. Também de uns da revolução numa semana aí que até teve um quadro de uma mulher ‘troncha’.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ele complementou:

_ Mas eu, homi, eu gostava não sabe. Quero saber de nada do passado. Quero viver o agora.

Eu: Mas durante o arcadismo as obras falam sobre isso, da necessidade de vivermos a vida intensamente...

Ele interrompeu: Eu, invés de ler dos outros quero viver!

Então fiquei calada. Nesse momento meu celular toca.

Atendo: Oi amor... Sim, posso. Quantos? Ah tá quando chegar em casa ligo para você. Desligo.

O vizinho com um risinho malicioso pergunta: Seu namorado?

Com cara de pouco amigo respondo: Meu marido.

Mas ele não se sente envergonhado e dispara: Quando eu casar quero uma esposa assim. Pensei que só namorados falavam assim.

Nem respondi. Detesto falar da minha vida pessoal. Mas o cara era persistente e pergunta:

“Tô certo?”

Olhei-o incrédula sem responder. Mas ignorando minha desatenção e raiva ainda perguntou: Onde você vai descer?

Eu: Qualquer lugar no centro.

Ele: Eu também.

Apresso-me em dizer: Algumas amigas e seus maridos aguardam-me. Sabe como são, maridos ciumentos!

No primeiro lugar que deu para parar eu desci. Pensava: que homem chato! Minha revista molhada de sua saliva, tempo desperdiçado num diálogo inútil!

É a tal da afinidade. Quando não estabelecemos esse elo com o interlocutor torna-se realmente impossível desenvolver qualquer relacionamento, principalmente amizade que pressupõe a troca de informação e ato de compartilhar experiências. O colega de assento e eu somos incompatíveis porque nosso campo de interesse é muito distante um do outro.

Porém uma coisa despertou meu interesse: O que será que ele pensou quando desci? Sem educação, arcaica, chata também... Hum... Melhor não pensar nisso!

0
2 mil visualizações •
Atualizado em
Denuncie conteúdo abusivo
Juliana Cardoso ESCRITO POR Juliana Cardoso Escritora
Teotônio Vilela - AL

Membro desde Julho de 2011

Comentários