Tema Acessibilidade

A luz de Luzia

• Atualizado

 

 

 À toda luz que habita nessa minha escuridão chamada saudade.

   

    Ao ver-te repousar por entre aquelas teias oníricas de cansaço e nostálgicas dores, pude contemplar tua face pálida, ofuscando o esplendor de tuas aspiraçoes e inspirações como numa prece que fazias tão concentrada, profundamente mergulhada numa atmosfera de além-dor; não quis acordar-te. 

   Aqui, apenas, velava teu sono e acariciava teus cabelos opacos como a noite, num dia nebuloso de inverno.    

     Já não preocupava-me com as palavras de minhas súplicas, silenciosas, a gritarem dentro de mim. Queria ouvir o balbuciar de teus lábios, ensaiando cânticos celestes com os anjos, arcanjos, querubins, e todos os seres afins. Sentia que lá a vida estava viva dentro de ti, pois aqui morria, amiúde...

    Os traços de tua face assemelhavam-se aos de uma deusa que estava para nascer. Teus olhos eram intensos e afundados de uma realidade outra, formada de uma leveza perfeitamente compassada com a rigidez de tuas maçãs robustas e frias. 
Sentia que não querias estar ali, nem aqui, mas lá… No lugar da tua morada feita de paz. Mas, pensavas em mim e nas tuas criancinhas, nas tuas queridas criancinhas que embalavas em teus braços de Hércules.

    Luz não havia dentro daquele cômodo; apenas a luz que irradiava de ti: a luz de Luzia, que luzia os porões do meu coração aflito, porém confortado pelo efeito de tuas preces mudas a me confortar. 

 

[...] Silêncio.

 

  Outra prece. Outra carícia na face e gemidos simultâneos dentro de duas almas irmãs e mães e filhas, a confundirem-se na ordem e no fluxo natural das coisas existentes.

     Naquela tarde, o azul do céu era um convite para os exilados na terra... 

  Teus olhos vazaram e inundaram o meu coração ressecado, feito um véu de garoa, resvalando-se sobre um punhado de terra seca. Minúsculos pontos reluzentes começaram a expandirem-se na dimensão do quarto até ressurgirem envoltos num pano de mistério e despedida: era o prenúncio do último ato, da derradeira prece.   

    Me destes aquele último riso como o de uma criança a adormecer nos braços do pai.

 

 

 

Copyright © 2015. Todos os direitos reservados ao autor. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.
1
1 mil visualizações •
Atualizado em
Denuncie conteúdo abusivo
Monique Munielle ESCRITO POR Monique Munielle Escritora
Maceió - AL

Membro desde Dezembro de 2014

Comentários