UM PRETÉRITO PERFEITO PARA UM DEBATE CONTEMPORÂNEO - Tchello d'Barros
UM PRETÉRITO PERFEITO PARA UM DEBATE CONTEMPORÂNEO
Tchello d’Barros
O diretor carioca Gustavo Pizzi veio pessoalmente para Maceió apresentar seu filme Pretérito Perfeito, na programação cultural do Cine Sesi Pajuçara, sendo que ao final da sessão especial participou de um debate com a platéia, que contou com a presença de pessoas da área cultural, curiosos e até mesmo a participação de Carlito Lima, fundador da Academia Alagoana de Boemia.
O documentário apresenta o antigo e famoso prostíbulo carioca Casa Rosa, hoje um centro cultural no bairro Laranjeiras, sendo revisitado por antigos freqüentadores, boêmios saudosos, e mesmo figuras como o cartunista LAN, que confessou ter tomado um porre e dormido por lá mesmo, e o roqueiro Lobão, que disse ter tido lá sua iniciação sexual, além de tomar um guaraná...
Houve quem reclamasse que faltou ‘mulher pelada’ no filme, já que se trata de um famoso puteiro de outrora, mas isso foi, digamos, compensado com os depoimentos tórridos de Dona Ivanilda, uma prostituta de 65 anos, ainda na ativa, e que lá iniciou sua carreira, quando ainda era menor de idade. Picante!
Mas nos relatos dos participantes, fica-se sabendo que o prostíbulo – que funcionou até 1991 – não era ‘uma zona’, era um local bonito e bem decorado, com bebidas importadas, jantares especiais, as moças eram educadas, elegantes, bem-vestidas e havia um ambiente de sedução e bom-gosto, sendo que até mesmo orquestras se apresentavam no local. Bem, nostalgias à parte, o fato é que em vários depoimentos, soube-se que o local era freqüentado pelos poderosos da época, em especial a classe política, que lá se encontrava não apenas para gastar um pouco dos lucros, mas também para alinhavar conchavos e conluios. É o poder e a política como temas transversais num filme sobre putaria.
Um documentário assim, sendo exibido em Maceió, nos aponta para alguns links, considerando-se os temas transversais supra-citados. A primeira referência, sem dúvida é o filme ficcional Amor, Estranho Amor, estrelado por Xuxa, Matilde Mastrangi e a blumenauense Vera Fisher, em performances – e formas físicas – que fizeram desse filme um clássico, hoje sumido das locadoras mas que é uma festa entre os adeptos da pirataria de CDs. Ocorre que essa mesma temática, poder e política num ambiente de baixo calão, digamos assim, aparece aí também, só que desta vez, num puteiro famoso
Pretérito Perfeito dialoga também com uma obra literária maceioense, alagoana, brasileira e traduzida em várias línguas, o livro Ninho de Cobras, obra fundamental para se entender a alagoanidade, uma das mais instigantes obras de prosa poética em nosso idioma. Bem, o fato é que nesse livro do imortal Lêdo Ivo, ocorrem encontros de políticos num prostíbulo da capital, onde ocorriam orgias, bebericação e comilanças nas madrugadas afora, e onde as urdiduras e tramas da policalha da época definiam alguns destinos políticos daqueles senhores afortunados de então. Mas é apenas ficção, heim!
Se trouxemos o assunto para um âmbito local, lancemos então um olhar mais contemporâneo sobre o mesmo e fatalmente vamos nos encontrar com outra obra literária, o livro Pornô Política do também cineasta e hoje cronista polêmico Arnaldo Jabor. Ora, se outrora ele dizia num de seus filmes que toda nudez será castigada, nesse livro ficamos sabendo que agora está tudo é escancarado mesmo, já que várias crônicas, ainda que de viés ficcional, remetem aos escândalos do chamado Mensalão, amplamente divulgado em mídia nacional, sendo que em diversas matérias soube-se das farras e orgias com prostitutas de luxo que vinham de avião especialmente para atender os distintos parlamentares, congressistas e políticos de todos os naipes. Baixo calão com políticos de alto escalão. E quem paga tudo isso?
Talvez o que de fato esteja latente entre os fotogramas de Pretérito Perfeito é que essa mistura de putaria com poder, seja um mal constante e extemporâneo em todos os cantos do país, um reflexo de nossa condição de terceiro-mundistas dos ‘tristes trópicos’, onde ainda não aprendemos direito a meter um bom voto na fresta da urna, ainda não sabemos direito onde enfiar o dedo nessas eleições digitais. Ainda não fomos plenamente desvirginados para os albores da democracia. Ainda estamos por aprender a gozar plenamente de nossos direitos civis. Mas, bem, se já existe gente saindo de casa pra ir ao cinema pra ver um documentário, é sinal que as coisas estão mudando e se encaminhando, como num bom livro ou bom filme, para um final que esperamos que seja cada vez mais feliz.
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