2006 - Entrevistado p/ Curso de Direito|Cesmac - por Milla Pasan
Faculdade Cesmac – Curso Direito
14.07.2006 – Maceió/AL
Tchello d’Barros é entrevistado pela acadêmica Milla Pasan
Coordenadora do projeto Atelier Aberto do Sesc/AL
MP: O seu 1° contato com folhetos de cordel foi na sua terra natal?
T.d’B.: O Cordel não é uma referência presente
MP: Vc se divertia (diverte) lendo?
T.d’B.: Meu interesse principal está na pesquisa em si, na coleção que tenho desenvolvido e principalmente na possiblidade de um mergulho na cultura popular pelas lentes do Cordel. Mas é claro que existe também
um prazer na leitura, isso acaba sendo inevitável, especialmente nas obras onde a jocosidade e picardia dos autores temperam os temas e as estórias desses folhetos.
MP: Vc me enviou 05 folhetos, mas existem outros que escreveu?
T.d’B.: Por enquanto, tenho cinco Cordéis impressos, outros cinco escritos ou em fase de conclusão e vários temas anotados para futuro desenvolvimento. É um trabalho em processo, que prefiro deixar acontecer
naturalmente, sem pressas e prazos, para que resulte sempre espontâneo.
MP: Vc se preocupou com os ciclos da Literatura de Cordel: gado, misticismo...?
T.d’B.: Naturalmente que essa série de poemas tem sido construída sobre os cânones da Literatura de Cordel, cujos ciclos principais foram estudados previamente, embora nem todos sejam abordados em minha
produção. De forma geral, o que tenho pesquisado em Literatura, são as formas fixas do poema e no caso do Cordel, as temáticas dos respectivos ciclos caminham juntas aos diversos esquemas métricos desse tipo de poesia. É preciso respeitar isso, assim como Jorge Luís Borges, embora um autor universal, respeitou a métrica específica da Milonga, quando escreveu versos nessa forma fixa de criação. Quando Guilherme de Almeida aprendeu com os franceses o haicai japonês, trouxe-o para o Brasil com uma variação abrasileirada, digamos, com rimas, mas logo o modelo proliferou em sua forma original. Então, mais que conhecer os ciclos, a preocupação está em escolher aqueles com os quais me identifico.
MP: O seu processo de criação é uma junção das referências e da coleta de dados que ocorrem em suas pesquisas?
T.d’B.: O processo de criação de qualquer escritor ainda é um mistério completo, onde os teóricos têm se debatido e ainda não chegaram a nenhuma verdade conclusiva. Apesar de não haver dois escritores que tenham método idêntico de criação, aposto no avanço da ciência com suas pesquisas e experimentações. Já as referências e coleta de dados são necessárias como material de trabalho mesmo. Seria difícil escrever sobre Calabar, por exemplo, sem conhecer sua história. Acrescente-se uma visita a Porto Calvo e as possibilidades se ampliam.
MP: Como surgiu a idéia de fazer uma revisita ao conto "O Corvo", de Edgar Allan Poe, através da Literatura de Cordel?
T.d’B.: Creio que não há nada de original nisso, até porque muitos cordelistas fizeram o mesmo, recontando histórias ou adaptando textos europeus principalmente, para situações locais. Alguns casos bem conhecidos são "Os Doze Pares de França", "A Donzela Dorotéia" e o clássico "Pavão Misterioso". No caso de "O Corvo", escolhi esse por ser o mais conhecido poema no mundo, mas as traduções em português estão numa linguagem já arcaica, tornando difícil a compreensão da história e diminuindo o interesse das novas gerações de leitores. Dessa preocupação resultou o Cordel "O Papagaio".
MP: Vc escreve folhetos segundo a classificação do Professor José Maria Tenório, pois quando impressos tem oito folhas e seus versos são em sextilhas na maioria dos cordéis, já é um método de criação?
T.d’B.: Escrevo mediante as estruturas assinaladas por Ariano Suassuna, o qual me foi recentemente apresentado em João pessoa/PB e também tenho como base as pesquisas de Câmara Cascudo e a vasta produção
de Leandro Gomes de Barros, talvez o maior de todos os cordelistas. Participei ainda de uma oficina de Cordel, com ninguém menos que Bráulio Tavares. Na versão impressa procuro manter as oito páginas resultantes de uma folha A4 dobrada duas vezes, preenchendo-a com estrofes de seis versos principalmente, mas eventualmente escrevo também com sete versos, que é mais difícil, mas amplia as possibilidades do recurso
da rima. Então, a questão não é tanto o método em si, mas respeitar a estrutura dessa bela modalidade de poesia.
MP: Por que a escolha do cordel como uma forma de expressão, já que vc também é poeta "erudito" (apesar de não gostar desta expressão) e artista plástico?
T.d’B.: Desenho e escrevo desde os cinco anos de idade e procuro sempre ampliar o leque de possibilidades de expressão. O Cordel é parte de meu interesse nas chamadas formas fixas de poema, como o Soneto, a Quadra,
o Haicai, a Poesia Visual e tantos outros. Seria um tanto estranho sair por aí escrevendo no formato dos Limericks ingleses, por exemplo, mas penso que é natural um autor brasileiro, seja erudito ou popular, escrever numa modalidade típica de nosso país. Enfim, faço porque posso, e principalmente porque gosto.
MP: Por que divulgá-los maciçamente pela Internet?
T.d’B.: Porque não sou repentista de feiras, embora tenha grande admiração por esses poetas, muitos dos quais cordelistas e alguns até mesmo são xilogravuristas, criando os desenhos para as capas de seus próprios Cordéis. É o caso de José Costa Leite, um dos grandes, que ainda é vivo e esteve recentemente em Paris representando a literatura popular no chamado 'Ano do Brasil na França'. Não será demais contar que
ele autografou para mim alguns Cordéis de suas publicações recentes. Mas em meu caso, divulgo também pela Internet, é uma forma de levar essa produção para um número mais amplo de leitores. Apenas faço o que muitos artistas sempre fizeram: usar a tecnologia disponível em sua época.
MP: E as ilustrações? Vc não utiliza a xilo, então qual é o processo utilizado?
T.d’B.: Por coincidência sou desenhista, então eu mesmo crio as imagens para as capas dos folhetos, assim o produto final fica mais integrado e até mais verdadeiro. A xilogravura é a mais conhecida técnica de reprodução de imagens usada pelos cordelistas em geral, mas na contemporaneidade usam-se de todos os recursos disponíveis, da fotocópia à fotografia. Em meu caso, crio desenhos com uma linguagem que se aproxima da estética dos xilogravuristas, pois a idéia não é imitá-los, mas homenageá-los.
MP: Vc consegue boas respostas a partir desse processo?
T.d’B.: Fico satisfeito com os resultados pois as imagens são produzidas com a proposta de traduzir de forma simbólica e figurativa alguns elementos referentes ao texto
dizer que os resultados são satisfatórios, mas na verdade penso que essa avaliação sempre deverá ser feita mesmo é pelo leitor. É ele quem deverá ter a palavra final, os leitores é que são meus melhores críticos.
MP: As impressões são feitas por vc e onde são divulgadas ou vendidas?
T.d’B.: Na medida do possível, procuro vivenciar aquela atitude proposta por Ghandi - e também pelos Punks - do "faça você mesmo", então além de escrever o texto e fazer os desenhos, faço também a digitação, a
diagramação, a editoração, a impressão e a distribuição para formadores de opinião na área cultural em Maceió, onde moro, e para pessoas e instituições culturais de outros pontos do Brasil também. Quanto às vendas,
uma edição limitada será colocada à disposição do público interessado em algumas bancas de Maceió e é só.
MP: No Mistério de Blém-Blém vc faz o encontro de dois escritores alagoanos, Jorge de Lima e Graciliano Ramos, pelas ruas do Bairro de Jaraguá. Existe uma identificação particular com o Bairro onde circulavam e ainda circulam artistas e com esses personagens tão peculiares ao público, não só alagoano?
T.d’B.: Gosto muito do Bairro de Jaraguá, principalmente pela questão arquitetônica, com seus antigos frontões, combogós e grades artesanais e seu clima nostálgico e boêmio. Há também a importância histórica, sendo
que alguns historiadores até mesmo pontuam que ali teria se iniciado a cidade de Maceió, em função do porto.
Na medida do possível participo das ações culturais desenvolvidas nessa região, até como forma de valorizar o mais interessante bairro da capital. Blém-Blém foi uma pessoa que de fato viveu nesse bairro e nesse Cordel
ele é comentado por dois fantasmas de escritores, onde alguns leitores concluem que se trata de Jorge e Graciliano. Pessoalmente não garanto muito, pois em vida eles debandaram daqui assim que puderam, mesmo caso do ainda vivo Lêdo Ivo e de figuras como Clarice Lispector, José Lins do Rêgo e Monteiro Lobato, que aqui viveram, mas não quiseram saber de fincar raízes por essas bandas.
MP: E na Feira do Passarinho, como foram os primeiros contatos?
T.d’B.: Foi meu primeiro Cordel, a Feira do Passarinho, com seus entornos, é um maravilhoso e caótico labirinto, riquíssimo em referências da cultura e da vida alagoana. Depois de deambular por seus meandros algumas vezes, me deparei com um de seus mais conhecidos personagens, o Galego do Veneno, que depois de um papo animado até me deixou anunciar alguns de seus produtos em seu indefectível microfone. Mas tive que parar depois, pois a fila já estava quase no Teatro Deodoro. Aliás, saí dali me perguntando se as inúmeras pessoas que formam a divertida Feira do Passarinho freqüentam o Teatro Deodoro.
MP: Vc chegou a pegar o trem na CBTU pra ir até Lourenço de Albuquerque?
T.d’B.: Já tive essa experiência, que pretendo repetir oportunamente. Conheci também a simpática cidade de Rio Largo. Naquela ocasião viajei não apenas porque gosto muito de trens, mas foi uma oportunidade de conviver um pouco com pessoas de diversas localidades da região. Foi uma forma de ouvir mais o musical sotaque alagoano, saber de suas histórias, carências e riquezas culturais, que se completou com a culinária regional que provei em Lourenço de Albuquerque. Dessa aventura surgiu a idéia de expor uma série de poemas de um de meus livros, cujo formato deles é o do ideograma, nas colunas da estação da CBTU,
público que via de regra não freqüenta os espaços culturais oficiais, digamos assim, na capital. Quando a série dos Cordéis estiver mais adiantada, gostaria de levar atores nesses vagões para lerem os poemas aos viajantes.
MP: Vc é alguém que teve acesso a uma boa formação escolar e intelectual que chegou ao Nordeste a poucos anos, então acredita que consegue chegar ao cerne das relações do cotidiano do homem do povo que não teve acesso as mesmas condições (aparentemente como voyeur)?
T.d’B.: Talvez seja oportuno considerar que ter acesso à uma boa formação escolar não quer dizer muita coisa, já que o ensino no Brasil continua péssimo. Há muita gente que se forma numa universidade qualquer mas
pouco ou nada sabe sobre a vida e nem quer saber. Ademais, das melhores universidades, por vezes saem as pessoas mais alienadas e os políticos mais corruptos. Quero crer que todo escritor seja um observador, um voyeur, e quanto mais se aproxima do povo, mais imerso na realidade, que é a matéria prima principal para qualquer criação literária, mesmo porque eu também sou um homem do povo, eu sou o povo também. Muitos repentistas e cordelistas hoje abordam assuntos atuais pois assistem TV à cabo e alguns até navegam na Internet. E concluo considerando que embora viva aqui há poucos anos, já morei em mais de 10 cidades nesse maravilhoso Brasil, sem falar nas viagens por outros 19 países, e essas andanças me livraram de qualquer conceito de bairrismo, ufanismo ou xenofobia. Já me identificaram como um catarinense vivendo em Alagoas, mas me sinto apenas um artista brasileiro vivendo no meu país, vivendo no meu Brasil.
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