2006 - Entrevistado no portal Stammtisch - por Luiz Eduardo Caminha
18.02.2006 - Blumenau/AL
Tchello d’Barros é entrevistado pelo poeta e editor Luiz Eduardo Caminha
L.E.C.: Qual a sua profissão e quais as atividades que você está envolvido atualmente?
T. d’B.: Sou Escritor e Artista Visual, ministro oficinas de Desenho e Poesia e atuo como Promotor Cultural em cidades do Nordeste. Tenho realizado várias exposições com meu trabalho
L.E.C.: Quando e como começou o seu interesse pelas letras.
T. d’B.: Começou bem tarde na verdade, em Blumenau, já com 25 anos de idade, velho, heim! Claro que sempre gostei de escrever, mas nem desconfiava da possibilidade de me expressar na Poesia, gênero de que nunca gostei e até tinha preconceito. Meu interesse começou quando fiz várias ilustrações para revistas de arte e jornalismo cultural em Blumenau e assim tive contato com a poesia experimental e mesmo de vanguarda, onde imediatamente senti afinidades. Logo os primeiros poemas que escrevi foram premiados em concursos e depois não parei mais, ainda bem, creio.
L.E.C.: Em que aspectos ser poeta influencia a sua vida?
T. d’B.: A poesia, muito mais que a mera escritura do poema, é uma experiência estética que se manifesta em outras modalidades da arte e mesmo na própria vida. A percepção da realidade pode ser sentida e vivenciada sob diferentes óticas. É possível ver o mundo pela lente do sistema capitalista ou da sociedade consumista em que estamos fatalmente inseridos. Mesmo assim escolho os óculos da Poesia.
L.E.C.: PERGUNTA DESTAQUE: Você foi um dos precursores da SEB e, durante o tempo que passou por Blumenau, esteve sempre antenado com todos os aspectos da Cultura e das Artes. Além de poeta, você é também escritor, viajeiro, artista plástico e designer. Agora está nas Alagoas. Fale-nos um pouco desta sua passagem marcante por Blumenau e de tudo o que você tem feito, nestas áreas, em Alagoas e no Brasil.
T. d’B.: Tenho esse comichão na sola dos pés que já me fez deambular por lugares recônditos do Brasil e mais uns 20 países. Sou catarinense de origem nascido em Brunópolis mas o lugar que vivi mais tempo foi Blumenau, cidade onde muito amei e fui muito amado. Foram 12 anos de atuação ininterrupta na militância cultural. No teatro foram 4 anos junto aos grupos do NuTE no Teatro Carlos Gomes, depois foi com a Bluap, onde realizamos diversos projetos com artes plásticas e finalmente na SEB, onde além de membro-fundador tive a honra de ser presidente por duas gestões. Mais tarde tive ainda o privilégio de presidir a Câmara Júnior de Blumenau, onde desenvolvemos também vários projetos artístico-culturais. Cansado dos desmandos políticos em que a cultura vinha sendo refém, fui peregrinar pelo Nordeste e resolvi me auto-exilar na praia alagoana de Jatiúca,
L.E.C.: Qual o nome de seu primeiro livro e sobre o que tratava: poesia, crônica, contos?
T. d’B.: Minha primeira publicação foi o opúsculo "Olho Nu" lançado pela editora Letras Contemporâneas, de Florianópolis, onde publiquei 18 ideogramas ocidentais (esse era o número de páginas disponível), no projeto Poesia de Santa Catarina. Esses poemas monossilábicos (mais/luz/do/que/o/sol/do/meu/céu/só/o/som/do/seu/sim) hoje já somam mais de 100, pois a pesquisa continua e devem mais tarde ser publicados em novo livro.
L.E.C.: Uma de suas criações são os "poemínimos", aliás um dom que lhe é próprio da síntese. Poucas palavras, grandes significados. Como surgiu esta idéia e como a tem desenvolvido?
T. d’B.: Não surgiu exatamente como idéia, mas como processo, os textinhos foram acontecendo, tecendo, sendo, sem dó. Quando vi, tinha uma coleção de textos minúsculos, onde uso trocadilhos, jogos fonéticos, desconstruções de falares do povo e sentenças filosóficas, com algum humor e quase nenhum hermetismo. Já o nome é uma alusão à uma série de poemas curtos de Alice Ruiz, chamado Poemínimas. Mas o termo é hoje utilizado por vários poetas. No meu caso foi assim que surgiu meu 3º livro, o "Letramorfose", edição artesanal em linotipia, produzido ali nas históricas linotipos da gráfica da Fundação Cultural de Blumenau. Já vai para a 3ª reimpressão e há uma nova coleção desses poemas, o inédito "Vide-verso".
L.E.C.: Quantos livros você já tem publicados?
T. d’B.: Cinco. Todos de poesia experimental.
L.E.C.: O que significa para você ser membro e ex-Presidente da SEB? Você foi um dos fundadores?
- Continuar como membro da SEB, mesmo distante é reafirmar meu amor por Blumenau e pela dignidade da produção literária numa cidade que já acolheu expressivos autores como Lauro Lara, Teobaldo Jamundá, Lindolf Bell, Edith Kormann, Martinho Bruning e Geraldo Luz, que deixaram muitas saudades, quase choro ao simples fato de digitar os nomes desses autores que tive a sorte de conhecer
L.E.C.: O que significa a SEB em sua vida?
T. d’B.: A certeza de ter contribuído com processo cultural de Blumenau e região, principalmente no sentido de tentar colocar a cidade de Blumenau no mapa nacional da literatura. Foi assim que criei o site da SEB, hoje tão bem coordenado pela Patrícia Manczak. Foi assim que levamos dezenas de autores, a maioria iniciantes ainda, nas Bienais de Rio e São Paulo. Foi assim que organizamos com a FCB o Fórum Brasileiro de Literatura, onde trouxemos autores como Mário Prata, Afonso Romanno de Sant'Anna, Leila Miccolis, Asta Vonzodas e uma constelação de outros autores brasileiros e catarinenses. Infelizmente a má vontade política local exterminou o evento assim como extinguiu o projeto Viva Poesia onde Marcelo Steil e eu promovemos ações literárias com palestras, declamações, concursos e edições de livros num projeto que atingiu mais de 50.000 alunos.
L.E.C.: Qual é, em termos de letras, seu projeto futuro?
T. d’B.: Raramente respondo perguntas assim, prefiro fazer as coisas acontecerem e estão já acontecendo. Mas cá pra nós, já que estamos no Stammtisch, vou adiantar que estou batalhando a publicação do inédito "Vide-verso.” Em 31 de outubro abrirei uma mostra na prestigiada Galeria Capibaribe, na UFPE em Recife/PE. Lá, entre outras obras, montarei uma instalação de 25 ideogramas de
L.E.C.: Qual o caminho futuro que a SEB, a seu ver, deverá trilhar?
T. d’B.: A entidade deveria se preocupar oportunamente com a formação literária dos integrantes, já que muitos são iniciantes e sequer sabem a diferença entre poema e poesia. Outro fator é a captação de recursos e a profissionalização na produção cultural. Existe muito dinheiro disponível, mas falta conhecimento técnico na captação. Uma consultoria neste sentido seria bem-vinda. Outra ação seria cada membro assumir alguma função, por menor que fosse, para contribuir na parte com o todo. Isso evitaria os parasitas que sobrecarregam os carregadores de piano.
L.E.C.: Qual o recado que você daria a todos os que gostam de escrever e ainda não tiveram uma oportunidade de publicar um livro?
T. d’B.: Não me vejo apto a dar conselhos ou pitacos a quem quer que seja, ainda mais num assunto desses, mas como recado, sugiro que a pessoa se pergunte se quer publicar por narcisismo, para agradar seu próprio ego, ou se realmente seu texto será uma contribuição estética na história da Literatura. Essa discussão mental já é um bom começo.
L.E.C.: Qual o recado que você daria para todos os membros da SEB?
T. d’B.: Penso que já dei meus recados pessoalmente em minhas gestões, acho mesmo que tinha gente já de cabeça inchada de tanto ouvir tais recados. No momento vou me limitar em sugerir que a SEB, mais como movimento do que entidade, una esforços para resgatar a obra de Martinho Bruning um dos grandes poetas do Sul do Brasil, amigo de Mário Quintana, mas que detestava holofotes, auto-promoção e badalações desse tipo. Urge que se monte um projeto de captação de recursos para edição de sua obra completa em Poesia e quiçá uma edição de sua obra não-publicada, cujos originais permanecem com sua viúva, a pintora Julieta Bruning. É inaceitável essa condição de esquecimento em que está a obra desse poeta emblemático da Literatura catarinense.
L.E.C.: Qual o recado que você daria a todos os escritores e poetas?
T. d’B.: Antes de publicar suas palavras supostamente tão urgentes, questionarem-se se valem pelo menos as árvores derrubadas para produzir o papel para tal fim.
L.E.C.: Você acredita em Deus? O que isto significa em sua vida?
T. d’B.: Sempre acreditei
L.E.C.: Escrever, para você, significa mais uma auto-realização ou você acha que pode servir para a realização dos leitores?
T. d’B.: Se considerarmos a Auto-realização dentro do esquema conhecido como Pirâmide de Maslow, penso que até pode haver alguma relação, mas para mim é um processo contínuo, portanto interminável, de exercício de estética, que nesse caso se dá nessa plataforma que chamamos de Literatura. Assim, além das publicações em Poesia, mantenho uma produção lenta e difícil em Prosa, na forma de crônicas, contos curtos e comentários críticos sobre a produção de artistas de outras modalidades.
L.E.C.: O que você pensa da leitura?
T. d’B.: Nem penso, já vou logo lendo mesmo, na média de um livro por semana. Para os estudantes fiz esse slogamínimo: "vá ler mais / pra / valer mais".
L.E.C.: Qual o recado que você daria para os políticos administradores municipais, estaduais e brasileiros, vereadores, deputados e senadores quanto aos seguintes aspectos:
- Produção literária:
T. d’B.: Há muito que ser feito nesta seara. Poderíamos começar com verbas maiores para a produção, em especial na historiografia, já que vivemos num país que pouco valoriza sua própria Memória (olha o caso do Martinho!). E evitar essas indicações de cupinchas partidários ocupando cargos chaves na área cultural, prática vergonhosa que se legitima pela anuência dos próprios artistas.
- Incentivo à leitura:
T. d’B.: Mais campanhas de incentivo à leitura. Uma idéia bacana que algumas editoras e cursos de ensino de línguas estrangeiras estão adotando é nas aulas de idiomas estudar textos de autores brasileiros traduzidos pra o idioma em questão e não o contrário. Os brasileiros estão começando a ter orgulho em ser brasileiros. Imagine quando começarem a conhecer a riqueza da produção literária aqui produzida.
- Incentivo às artes e a cultura:
T. d’B.: O assunto é muito amplo, mas na Câmara Setorial, uma de minhas propostas é de um mapeamento de expressões
L.E.C.: O que você achou deste espaço neste site?
T. d’B.: Considero legítimo e até mesmo necessário, pois consolida a presença da literatura regional junto ao Stammtisch, fato que já acontece na prática, pois foi durante minha gestão que criamos a Barraca cultural da SEB especialmente para essa festa, que é uma das mais originais do Brasil. Hoje a Barraca da SEB não apenas tem espaço cativo na Rua XV - e que ninguém pense em mudá-los dali! - como é uma das ações mais tradicionais da entidade. Além disso, levamos vários autores SEBianos para dar entrevista no já consagrado, badalado e etílico programa televisivo do Stammtisch. A festa não é só festa, é também parte da cultura blumenauense.
L.E.C.: Blumenau ou Santa Catarina têm alguma chance de vê-lo de volta ou, para você, funcionou o dito nordestino: "quem bebe desta água de côco, aqui fica ou volta muito em breve”?
T. d’B.: Bem, vez em quando dou meus rasantes por Blumenau, onde tenho amigos de verdade, gente muito querida, que não vou citar aqui por absoluta falta de espaço. Então sempre estarei por aí matando saudades de tudo e de todos. Mas para voltar a viver ali somente se surgir algum projeto cultural realmente desafiador e em que eu efetivamente possa contribuir.
L.E.C.: Qual seu recado final.
T. d’B.: Esse é o espaço em que se poderia enfeitar a entrevista com alguma frase grandiloquente ou pomposa. Vou me limitar a convidar a todos para visitar a biblioteca pública municipal onde está à disposição de todos a coleção completa dos livros de Martinho Bruning.
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