2008 - Entrevistado no site Alma de Poeta - por Luiz Fernando Prôa
Luiz Fernando Prôa - Coordenador do site Alma de Poeta
entrevista p/ e-mail
Tchello d'Barros - Escritor, Artista Visual e Viajante.
Novembro/2008
Foi uma grata surpresa conhecer um artista tão completo, como o Tchello d’Barros, durante o XVI Congresso Brasileiro de Poesia,
Agora quero conhecer um pouco mais desta grande figura e dividir com o público do Alma de Poeta esta oportunidade.
Alma de Poeta | Luiz Fernando Prôa: Tchello, me fale um pouco do que é ser um artista múltiplo. Como você se vê dentro das diversas vertentes do trabalho artístico que desenvolve?
Tchello d'Barros: Ora, são canoas diferentes, mas o rio é o mesmo. Para além de vertentes, linguagens ou técnicas está a poética de um trabalho, a proposta conceitual, a idéia que vai nortear uma produção, seja literária, cênica, plástica, etc. Na verdade não há nada de novo nisso, em outras culturas e épocas os artistas faziam de tudo um pouco, de forma natural. O que talvez possamos considerar aqui é que essa é uma tendência da arte contemporânea: o hibridismo das linguagens artísticas; a multifacetação temática; a quebra de fronteiras entre arte e ciência; a pluralidade na produção de muitos artistas. ‘Buscai primeiro uma poética pessoal e todo o restante vos será acrescentado’!
Alma de Poeta: Sobre seus poemas curtos - os poemínimos, como vc os chama - e seus poemas visuais, qual sua visão em relação a eles dentro do cenário poético atual?
T. d'B.: Me parece que só estão nesse chamado cenário poético atual porque estão sendo produzidos agora, nesse tempo, mas prefiro pensar que essas produções dialogam com a tradição do Concretismo, com a Poesia Visual do século passado, com a Poesia Marginal e todas as vanguardas, exitosas ou não, que caracterizaram a produção poética experimental no Brasil. Anacronismos à parte, me interessa transitar por essas escolas de ontem –sem pretender renová-las – e falar das coisas do meu tempo e dos meus lugares, afinal, nossas idiossincrasias, são sempre contemporâneas. Os poemas curtos – verbi-voco-visuais – tem essa coisa da brevidade, da urgência, da concisão, dessa pressa atual, dessa hodierna falta de tempo. Já os poemas visuais são um encontro de águas de minha produção literária com a das artes visuais. Nada de novo sob o sol.
Alma de Poeta: Em relação às artes plásticas, fale um pouco das coisas que você faz e o que anda aprontando.
T. d'B.: Bem, são 15 anos de produção em desenho, pintura, gravura, arte digital, fotografia, vídeo, instalação, objeto, performance e coisas que nem nome tem ainda, na média de uma exposição individual por ano e um monte de mostras coletivas. Nessa altura do campeonato, a gente já sabe separar o joio do trigo, já aprendeu a dizer não e que a bússula aponta para o Norte. A gente vai se profissionalizando e levando as coisas mais a sério. No momento, administro, digamos assim, duas exposições recentes, uma de gravuras digitais, a série Labiríntimos, que já foi exposta em Salvador/BA e em Maceió/AL. A outra é a mostra de poesia visual Convergências, já apresentada
Alma de Poeta: Sei que além de artista você desenvolve oficinas literárias e apresenta palestras. Nos diga deste conteúdo.
T. d'B.: A primeira coisa que digo quando ministro uma oficina literária – seja de Prosa ou de Poesia – é que ninguém ensina ninguém a ser um escritor ou um poeta. Eu realmente acredito nisso. Aliás, um dos maiores mistérios da mente é exatamente o fato da criação artística. E a história está aí pra provar que os grandes escritores e artistas tinham - e tem – métodos diferentes e únicos de criação. No entanto, para quem está começando, poderá ser útil receber toda uma carga teórica e alguns exercícios práticos, para, a partir disso, começar a encontrar seu caminho, sua voz pessoal. O fato é que as instituições artísticas precisam muitas vezes atender demandas da sociedade, de suas comunidades, e acabam nos convidando para palestrar ou eventualmente ministrar alguma oficina. Hoje dou prioridade para escolas e bibliotecas. Nesses lugares, sempre tem alguém que aposta na literatura como uma ferramenta de ampliação cultural e transcendência.
Alma de Poeta: A Internet e suas vertentes, sites, blogs, You Tube, Orkut, etc., como vc os vê, qual a importância e o que pensa desta nova maneira de socialização da arte?
T. d'B.: No mínimo, podemos encarar tudo isso como um privilégio de nosso tempo. Um privilégio democrático na comunicação. Pode crer que Leonardo Da Vinci, M.C.Escher e Edgar Allan Poe também usariam se fossem nossos contemporâneos. Desde que começaram essas possibilidades tecnológicas, que tenho espalhado minhas criações mundo afora, me valendo desses recursos todos, talvez até
Alma de Poeta: Me explique como é esta coisa de vc ser um artista do Sul, mas radicado no Nordeste. Dizem que se queremos conquistar o mundo primeiro temos que vencer em nossa própria aldeia. Por acaso foi isso que aconteceu? Artistas geralmente migram para o Rio ou São Paulo. Ou quem sabe foram os ares salinos e morenos que lhe seduziram?
T. d'B.: O velho Tolstoi tinha razão quando cunhou essa frase, que na verdade parafraseia uma sentença bíblica sobre os profetas, e hoje na linguagem popular virou o axioma ‘santo de casa não faz milagre’. Mas e daí? Daí que fico com aquela máxima do filósofo Taine, quando dizia que ‘o homem é um produto do meio’. Daí que a grande sacada seria transcender esse meio, encontrar sua forma pessoal de estar no mundo, para além de limitações genéticas, religiosas, políticas e culturais. Fácil de dizer, difícil de fazer. No meu caso pessoal, penso que não tenho culpa em ser resultante das imigrações européias no Sul do Brasil. Fiz, faço e sempre farei meus mergulhos culturais no eixo Rio-Sampa e fora do Brasil, no entanto sempre desejei jogar tudo pro alto e viver com os pés na areia de alguma praia do Nordeste. E foi o que fiz. As praias aqui são mais belas que as do Caribe, a água é quentinha o ano todo, a cerveja é gelada e o camarão é crocante. Além de ser mais perto e mais barato que o Caribe, aqui o povo é simpático e a gente anda na rua tendo contato com o passado, o presente e o futuro, tudo ao mesmo tempo. Na grande perplexidade desse gran monde, que não pára de me surpreender, me contento com o clichê: catarinense de nascimento, alagoano por adoção e cidadão do mundo por vocação.
Alma de Poeta: Já que estamos comentando sobre conquistar o mundo, você, apesar de jovem, já viajou por mais de 20 países. Como foi esta experiência? Foi na base da carona ou foi o sucesso que lhe conduziu?
T. d'B.: Sou uma espécie de peregrino pós-moderno, globe trotter mochileiro, colecionador de horizontes. O haicaísta Bashô, aquele poeta-monge-samurai japonês medieval, dizia que vez em quando sentia uma espécie de coceira na sola do pé, e isso era o sinal de que em breve seria hora de sumir na estrada novamente. Sinto também essa estranha sensação, essa necessidade interna de migrar, de deambular por museus e palácios, de absorver outras culturas, de visitar lugares santos e místicos, de me perder por praças, mercados e labirintos. Não viajo como turista, mas como um viajante, um discreto explorador, que distante de tudo e de todos consegue muitas vezes, entre mapas e o GPS, encontrar o rumo. Às vezes a gente acaba encontrando a si próprio. Não viajo de carona, mas da forma que as populações locais viajam, seja de trem, barco, lotação, a pé, a cavalo, o que for. No paralelo, há um outro tipo de viagens, sob convites de instituições culturais, na qualidade de artista visual ou escritor. Raramente recuso...
Alma de Poeta: Voltando ao assunto viagens, ouvi dizer que seu novo projeto é atravessar a Transamazônica fotografando, escrevendo, pintando. O que tem de verdadeiro nesta notícia?
T. d'B.: Em geral, minhas viagens acabam gerando algum produto: crônicas, desenhos e fotografias. Isso tudo ainda vai dar material para exposições e publicações. No caso da Amazônia, será a segunda parte de uma viagem que fiz para essa parte tão exuberante de nosso continente. Em 2002, vindo de Machu Picchu, estava na Venezuela, atravessei a fronteira brasileira por Roraima e depois conheci Manaus. De lá, após navegar sobre o encontro das águas do Rio Negro com o Solimões, segui num navio-gaiola numa viagem de cinco dias pelo rio Amazonas, até chegar à Belém, no Pará. Agora pretendo fazer a segunda parte, a travessia da Transamazônica, num percurso que se inicia
Alma de Poeta: Sobre a cultura, como vc se posiciona: olhando o próprio umbigo, trabalhando seu nome, ou militando culturalmente, conectado a outras pessoas que incorporam essa coisa na alma, ofertando saber e entretenimento, brigando por espaço, o que vc me diz?
T. d'B.: Honestamente, penso que ninguém faz nada sozinho. Isso pode soar meio pueril, mas o fato é que ainda há muito pra se fazer pela Cultura em nosso país, por utópico que isso possa parecer. Encaro a militância cultural como um mal necessário, é como a voz rouca das ruas que, quando unida se faz ouvir e gera conquistas no campo das instituições públicas e privadas. É quando a gente tira uma parte de nosso tempo para se dedicar a causas coletivas, de benefícios plurais e efeitos multiplicadores. Tive e tenho o privilégio de participar de entidades de classe, de associações nas áreas de Teatro, Literatura, Artes Visuais e no campo de ações sociais. A união faz a força, como se diz, e é assim que se pressiona políticos pusilânimes, empresários avarentos e instituições apáticas. É assim que se articulam projetos culturais relevantes, patrocínios, apoios e parcerias. É assim que muitas vezes se forma público para a cultura, se fomenta o mercado e se realizam ações para o desenvolvimento da arte e da cultura.
Alma de Poeta: Numa das faces de sua poesia, desculpe se abuso no termo, mas sinto uma certa tara pelas mulheres. Isto é pose de galã ou o negócio é sério?
T. d'B.: Considerando-se que a mulher é tema recorrente na história da arte e da literatura, em meu caso achei apropriado dedicar uma parte do meu trabalho a essa temática. Já em minhas primeiras pinturas (1993) o corpo feminino aparecia como leitmotiv. Depois desenvolvi trabalhos a partir de modelo vivo e naturalmente que na produção literária, o mesmo tema também apareceria. E continua aparecendo. Aliás, não sei se existe um tema mais interessante. A literatura e as artes visuais são veículos para nos fazer lembrar da beleza da mulher. Não essa mulher subjugada pela bundalização televisiva, mas a mulher em seu estado mítico, sublime. As grandes-mães da antiguidade, as musas mitológicas, as heroínas das epopéias, as divas arquetípicas da história da arte, as deusas do cinema e a moça anônima que passa na calçada. Sou grato por viver numa época onde a mulher vem alcançando seu verdadeiro lugar no mundo. Sou um defensor dos antigos matriarcados, onde, segundo os antropólogos, as culturas onde as mulheres estiveram no poder, raramente entravam
Alma de Poeta: E entrando no poema, quais são as coisas básicas, segundo sua visão, que não podem faltar num poema, ou melhor, o que diferencia o poeta que se destaca de outro que só agrada os amigos?
T. d'B.: Alguns teóricos são radicais ao dizer que não existe poema sem o chamado ritmo. Seria o ritmo a base fundamental do poema. A metrificação é uma decorrência do ritmo. Aliás alguns defendem que deve haver algum tipo de métrica mesmo em versos livres. Já outros, dizem que o tema é a coisa mais importante a se considerar num texto que se pretende ser um poema. James Joyce privilegiou o estilo e a linguagem. Jorge Luis Borges apostava nas metáforas. Alguns puristas defendem a forma – as formas fixas – como base segura para se escrever um poema. Penso que estes são alguns dos elementos com os quais o poeta deve lidar. O mais importante talvez seja a possibilidade de alguém conseguir no meio disso tudo encontrar sua voz pessoal, seu estilo único. Quando leio um poema de Manoel de Barros, não preciso nem ver sua assinatura, a gente sabe que o poema é dele, porque ele desenvolveu uma escrita peculiar, autoral.
Alma de Poeta: Qual o recado que vc deixa para o público e também para os que agora se iniciam neste campo de produzir cultura?
T. d'B.: O recado que deixo para o público é que as civilizações passam, mas o que permanece delas é a sua cultura. E aos que estão iniciando, vou me limitar a dizer aquilo que nunca disseram para mim: boa sorte!
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