Em tempos de guerra
Chris seria médica - decidira. Na adolescência, esse ideal se solidificara como um projeto a ser perseguido a qualquer custo. Assistira à formatura de uma prima e, por sua vez, imaginou-se, também, fazendo o juramento de Hipócrates - “…Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém…”. Por devoção a Deus, por denodo às suas convicções religiosas, destinaria sua existência material ao salvamento de vidas.
Estudara compulsivamente em prol de seu escopo. Ao concluir o Curso de Medicina, no Rio de Janeiro, prestara concurso à Polícia Militar. Ser médica e militar era uma combinação perfeita para sua realização profissional. Foi aprovada em primeiro lugar. Ainda verde de experiência funcional, mas pródiga de teoria, Chris já manipulava o bisturi com considerável destreza para uma neófita; seu ofício precípuo era extirpar os males, restabelecer a higidez, quando possível, dos colegas de farda, geralmente, vítimas das balas do tráfico.
Em certa madrugada, no estágio REM do sono, sonhava com a guerra contra os traficantes deflagrada pelas polícias no Complexo do Alemão, de que tanto ouvia circular nos bastidores da Polícia. “Que Trágico! A que ponto chegou o meu Rio de Janeiro”. Acordara aturdida com as chamadas em seu celular. O comando era que imediatamente estivesse a postos no Hospital para atendimento dos eventuais feridos na operação perpetrada, considerando que o plantonista da vez havia tido um contratempo familiar – sua esposa entrara em trabalho de parto.
Expedita, Chris tomara um táxi até o hospital, vestida à paisana, por imperativo da precaução. Observou que taxímetro indicava vinte reais. Sacara uma nota de cinqüenta e se surpreendeu com a afirmação do taxista de que a corrida estava bem paga. “Mas como? Estou vendo ali vinte reais e sou acostumada a fazer esse mesmo percurso?” Minha senhora, estamos em tempo de guerra, minha corrida custa cinqüenta reais e não tem mais conversa – respondeu o taxista, com rudeza na voz. “Nesse caso, vou lhe dar voz de prisão, pois saiba que sou militar” – apresentou-lhe a identificação.
A caminho de seu posto de trabalho, Chris foi ruminando aquele episódio. Questionava-se acerca das atrocidades do mundo; num estado de profundo lamento, constatara que a bandidagem se manifesta de muitas formas e em muitas faces com os mais diversos seguimentos da sociedade, seja nos morros ou no asfalto. Até onde e quando poderia defender os seus princípios? Inabalável, porém, sua fé em Deus.
Simone Moura e Mendes
(Visitem o blog: www.simonemouramendes.com )
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