A pequena caixa de madeira.
Foi no exato momento em que a chuva começou a cair que Elise resolveu pegar a tal caixa que estava até então bem escondida em uma cômoda no porão. Assim que as delicadas mãos da mulher de vinte e poucos anos girou gentilmente a tampa de madeira, estampada com algumas flores e outros desenhos bem coloridos, um trovão gritou alto lá fora.
A mulher largou a vassoura no canto da parede e olhou para o interior da pequena caixa, não havia nada ali além de um pequeno órgão dissecado, algo que fez Elise soltar a pequena caixa de madeira no interior da gaveta. A mulher fechou com repulsa a gaveta da cômoda comida por cupins e voltou a seus afazeres, deixando a pequena caixa no lugar mais sombrio de seus pensamentos.
Seu nome era Elise, e ela era casada. E agora Elise se encontrava em sua então nova casa. Ela estava feliz, a casa era linda e fora comprada por um preço incrivelmente baixo, algo que deixou seu marido feliz também. Lembrava-se de como fosse um sonho o dia em que pulou para fora do caminhão de mudança e se deparou com uma rua linda e calma, com vários canteiros de flores arranjados nas extremidades das calçadas.
A felicidade para ela duraria muito, mas muito tempo mesmo. A casa era de dois andares, com uma bela fachada amarelada e com janelas azuis, uma beleza de conto de fadas. O quintal era recheado com frondosas árvores, figueiras e macieiras faziam parte da seleção, todas dando no momento deliciosos frutos.
No entanto, o porão da casa era imundo, cheio de ratos e baratas, além de camadas e mais camadas de poeira e um cheiro insuportável. Foi por isso que Elise resolveu começar por ali. Foi até o armário e pegou uma vassoura, um balde e um esfregão. O cheiro era mesmo insuportável, mas o produto químico deu conta do recado.
Mas, na hora de ir embora, não resistiu a tentação de investigar os velhos móveis que lá se encontravam. Começou pela velha cômoda. Feita de madeira de jacarandá, não apodreceu. As gavetas ainda estavam em um bom estado, embora o cheiro de mofo era muito fétido. Depois de algumas lufadas de Bom Air no local, pode finalmente investigar a velha cômoda.
O que despertou a curiosidade de Elise? Simples, as estórias que os vizinhos contavam sobre a velha casa. Sim, a casa era muito antiga e velha, mas alguns anos antes a família resolveu fazer uma reforma geral, mantendo apenas o velho porão. E Elise se lembrava de muito bem a estória que uma velha vizinha do local lhe contou.
Foi no segundo dia após a mudança. Elise voltava do mercado, e assim que girou a chave no portão, escutou alguém a chamando.
– Ei, psiu!
Elise se virou rapidamente, se deparando com a vizinha, ela estava sentada em uma cadeira que fora posta na calçada, debaixo da sombra de uma frondosa árvore.
– Venha até aqui! – Disse a mulher de meia-idade, com uma expressão séria.
Elise hesitou, mas a mulher insistiu.
– É importante...
Elise se virou, dando passos lentos em direção à mulher, que apenas a fitava com um ar sério e desconfiado. Assim que Elise se aproximou a tal mulher enfiou o braço para dentro de sua casa e puxou uma cadeira para sua calçada, convidando Elise para sentar. Mas Elise de novo hesitou.
– Eu não mordo – Disse a mulher, abrindo um leve sorriso nos lábios.
Elise apertou a bolsa nos quadris e se sentou na cadeira avermelhada de plástico.
– Você se mudou para essa casa aí não foi? – Perguntou a mulher, brincando com os dedos.
– Sim, me mudei. Por quê? Aconteceu alguma coisa?
– Eu recomendaria você se mudar de novo.
Elise deu um sorriso nervoso. A casa era de dois andares e linda, pura inveja de uma vizinha. Riu de si mesma, mas sabia que no fundo aquela conversa teria um rumo sério, e isso aconteceria dentro de instantes.
– Aconteceu alguma coisa? – Perguntou Elise novamente, o sorriso em seu rosto já havia se desmanchado.
– Não, não é isso, é o que vai acontecer.
Elise tremeu da cabeça aos pés, estava agora com medo e ao mesmo tempo com curiosidade. E como diz, a curiosidade matou o pobre do gato.
– Pode me contar do princípio? – Disse Elise, o sorriso nervoso havia voltado e suas mãos trêmulas se escondiam por debaixo da bolsa.
– Você não sabe mesmo a história desta casa, não é? Ou sabe?
– Não, não sei.
– Pois deveria saber.
– E o que aconteceu nesta casa?
Elise deu uma olhadela para o casarão ao seu lado. As sombras de fim de tarde davam um ar sinistro ao local.
– Muitas coisas – Disse a mulher tirando um cigarro do bolso e em seguida acendendo-o. Deu uma longa tragada e continuou. – Aí vivia um senhor muito perigoso, um feiticeiro. Sabe aquelas pessoas que são apelidadas de “macumbeiros”?
– Sim, sei.
– Então, vivia um feiticeiro nessa casa aí- A mulher deu mais uma longa tragada em seu cigarro. – Ele fez muitas coisas ruins, mas dai o feitiço se virou contra ele.
– O que aconteceu com o homem?
– A escada deslizou enquanto ele consertava o telhado, a cabeça dele foi esmagada como um pedaço de carne podre.
Elise sentiu uma breve repulsa, mas no final ficou sentida pelo pobre home,. A mulher continuou após uma cuspida na calçada bem cuidada.
– Acontece que dizem que o homem aprisionou sua alma em uma caixa de madeira, já que previa sua horrível morte.
– E onde ele guardou essa caixa? Tem alguma informação?
– Oh, sim, claro. Ele guardou a caixa de madeira no porão, depois de aberta, sua alma será libertada.
O coração de Elise quase saiu pela boca. Um tremor a assolou dos pés até a cabeça, e uma repulsa nojentos tomou conta de todo o seu corpo. Pulou da cadeira assim como um gato pula um muro alto. A mulher se assustou um pouco após tal ato, mas acabou relaxando.
– Já vai? Perguntou a mulher, pegando mais um cigarro do bolso.
– Sim já vou.
– Ainda não nos apresentamos, sou Helena.
– Prazer. Elise.
Elise deu um sorriso sincero para a mulher e em seguida dirigiu-se rapidamente para a sua casa. A cada girada que a chave dava seu coração apertava, até que finalmente a porta se abriu com um rangido e a escuridão tomou conta de tudo. Pé ante pé Elise adentrou sua casa e olhou para os dois lados, desconfiada. Agora a casa que antes era alegre e linda tinha um ar sinistro e sombrio.
– Bobagem! – Gritou Elise para si mesma.
Ela não acreditava que tinha caído na conversa mole daquela vizinha “invejosa”, que provavelmente havia achado sua casa mais linda do que a dela e agora só queria seu mal. Sim, só podia ser isso, com certeza era essa a reposta para tamanho medo de Elise.
– Sou uma boba! Uma boba!
Elise tateou a parede amarelada ao seu lado até finalmente encontrar o interruptor. Uma luz forte iluminou o rosto leve de Elise, fazendo com que a mulher colocasse suas próprias mãos na frente de seu rosto, até se acostumar com tamanha claridade.
Assim que voltou ao estado habitual tateou seu celular em cima do criado-mudo, mas esbarrou em algo duro, seco e frio. Virou o olhar para a pequena bancada e deparou-se com algo que não queria ver mais nunca em sua vida. Elise sufocou um grito de pavor e se sentou na cadeira de balanço alaranjada, nervosa até demais. Em cima do criado-mudo, estava repousada a pequena caixa de madeira, como sempre assustadora.
Elise se levantou e em um gesto brusco agarrou a coisa em suas mãos, gemendo de raiva. Sabia que não havia sido seu esposo quem tinha colocado aquela caixa ali, pois ele estava trabalhando na hora em que Elise limpava o porão e não havia como ele ter percebido algo. Seu esposo tinha repulsa de ratos e baratas e nunca adentraria aquele local escuro e dominado por tais monstruosas criaturas.
Apertou a caixa de madeira com ainda mais raiva e a jogou com toda a força na parede dura. Um baque ecoou pela casa toda e a caixa de madeira caiu no chão. Sua tampa foi aberta e rodou até tombar, o pequeno órgão dissecado agora estava no tapete, exalando terror e repulsa.
Elise fechou os olhos, como se estivesse raciocinando alguma coisa. Em seguida foi até a lavanda e pegou uma vassoura, limpando em seguida a sujeira feita em sua impecável sala.
A noite estava turbulenta e nebulosa, lá fora a sirene da polícia chiava devagar, como se não quisesse atrapalhar o que estava acontecendo. Na rua, um murmurinho sem fim era difundido aos prantos dos familiares de dona Irene. E Elise estava entre o meio das várias – e curiosas – Pessoas que tentavam a todo custo entrar na pequena casa.
A mulher com quem Elise teve uma conversa horas atrás agora jazia morta no meio da sala, em cima do sofá.
Elise estava aterrorizada, simplesmente porque o que a mulher a mulher havia normalmente se cumprido. Assim que a pequena caixa de madeira fosse aberta, a maldição seria solta para sempre. E agora dona Irene, a vizinha que havia contado tudo para Elise, estava morta. Depois de eternos cinco minutos que mais pareceram cinquenta, a polícia liberou o local para que os curiosos entrassem e saíssem horrorizados com tamanha brutalidade do assassinato.
Elise adentrou a sala e se deparou com uma cena que nunca esquecera na vida. Irene fora morta de uma forma tão aterrorizante que as pessoas de coração fraco ou de nervos de plástico teriam pesadelos por cerca de um mês.
Irene estava deitada no sofá, com os joelhos dobrados e as pernas abertas, do mesmo jeito que uma jovem moça fica quando está dando á luz á um rosado e gordo bebê. A sua boca estava totalmente negra, aberta em um sorriso macabro que ia de orelha a orelha, literalmente. Alguém havia cortado os sensíveis lábios de Irene, pois os mesmos foram rasgados até quase a testa, dando um sorriso macabro e sangrento a senhora que antes era cheia de vida.
Uma faca estava cravada em seu seio direito, de onde minava um talho de sangue escuro. Seus braços pendiam para fora do sofá, agora Irene já não era um ser humano. Irene agora era um boneco, uma marionete, algo que pode ser manuseado como queira e onde queira.
Os curiosos deixaram o local assim que o IML chegou para buscar o corpo da doce mulher de cerca de quarenta e três anos. Elise saiu aterrorizada, agora sabia que a maldição havia se lançado sobre ela e que a partir de agora tudo podia ir de mal a pior.
Adentrou sua própria casa com medo, achando que algo poderia dar uma voadora nela ou agarrar seu pescoço com uma faca em mãos a qualquer momento. Tateou mais uma vez a parede amarelada e acendeu a luz. Seu marido já descia as escadas, vestindo uma jaqueta ia rapidamente em direção à porta.
– Aonde vai Roberto? – Perguntou Elise, preocupada.
– Tenho de ajudar minha tia Lúcia, que está doente.
– O que aconteceu com ela?
– Seu tumor atacou de novo.
– Tudo, bem. Boa viagem.
– De nada.
A porta se fechou por detrás de Elise. Agora ela estava sozinha em casa e totalmente vulnerável. Pode escutar o rugir do motor do carro de Roberto ligar e em seguida sumir no fim da rua. Elise agora sim estava totalmente sozinha. Colou seu rosto na janela e se deparou com a rua onde agora vivia. Estava totalmente vazia, sem vivalma. Um vento soprou forte atrás de si e Elise se virou em um estalo. Os quadros na parede olhavam calmamente para Elise, como se fosse segui-la para sempre.
A porta rangeu e Elise deu uma olhadela. Será que Roberto havia esquecido o celular? Virou-se para o criado-mudo, mas não havia celular algum ali. Foi aí que se lembrou de que não havia escutado som de carro algum se aproximando. Elise correu para cozinha e agarrou a primeira faca que viu, mas sabia que ainda sim havia muitas chances de ser encontrada do mesmo jeito que Irene no dia seguinte.
1 mil visualizações •
Comentários