Tema Acessibilidade

A EDUCAÇÃO RELIGIOSA COMO ESTRATÉGIA DE CULTURA DE PAZ: CONSIDERANDO A DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL NO CONTEXTO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E DA ATUAL CONSTITUIÇÃO FEDERATIVA DO BRASIL

Marcus Swell Brandão Menezes

 

 

RESUMO
 
Este artigo tem por proposta tecer algumas considerações sobre a educação religiosa e sua relação com a promoção da cultura da paz, bem como a relação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Legislação Brasileira.
 
Palavras-chaves: educação religiosa, cultura de paz, direitos Humanos e legislação.
 
ABSTRACT
 
This article proposes some considerations about religious education and its relation tothe promotion of culture of peace and to respect the Universal Declaration of Human Rights and the Brazilian legislation.
 
Keywords: religious education, culture of peace, human rights and legislation.
 


1.INTRODUÇÃO
 


 
Segundo o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2006), não é apenas na escola que se produz e reproduz o conhecimento, mas é nela que esse saber aparece sistematizado e codificado. Escola é espaço social privilegiado onde se definem a ação institucional pedagógica e a prática e vivência dos direitos humanos.
 
Os conceitos de educação, religião e direitos humanos são de fácil associação, uma vez que os dois primeiros são parte integrante e indissociável do terceiro. A fim de iniciar esta análise, faz-se oportuno considerarmos de onde vem à inter-relação entre educação e direitos humanos e entre religião e direitos humanos, para então possibilitarmos o entendimento de como a educação pode levar a uma compreensão adequada do direito humano à liberdade de crença e religião.
 
É comum que as pessoas associem a palavra religião a algo positivo e que promove a paz. O próprio termo “religião” se originou do Latim “re-ligare”. O significado desta palavra está relacionado à “Re-ligar” Deus aos seres humanos.
 
Porém, muitas vezes, a prática se mostra de maneira bastante diferente. Há muita gente que dissemina o preconceito e a discriminação contra outros grupos sociais e religiosos. Pior do que isso é propagar a violência, a discórdia, a intolerância através de um discurso religioso afirmando que está se fazendo isso em nome de Deus. A intolerância religiosa, inclusive no que diz respeito a religiões minoritárias e a cultos afro-brasileiros é bastante comum no Brasil embora haja essa grande diversidade de crenças.
 
Conforme entendida no artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a educação é o processo pelo qual os indivíduos recebem não apenas a instrução formal – qual seja a transmissão dos conhecimentos técnicos e acadêmicos – como também a formação humana, espiritual e ética que lhes proporcionará o pleno desenvolvimento de suas capacidades intelectuais. Já a Constituição Federal brasileira preconiza em seu Art. 214 que “A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do poder público que conduzam à... V - promoção humanística, científica e tecnológica do País”.
 
O Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) é o primeiro documento internacional a incluir o direito de ter e praticar uma religião como um dos direitos fundamentais dos seres humanos, quando declara que:
 


 

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.”

 



 

Sobre este tema, a Constituição Federal de 1988 versa sobre a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, assegurando “o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.1 Fala ainda da “prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”,2 a ser assegurada nos termos da lei e, mais adiante, estabelece que “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”.3 Estas determinações colocam em evidência o fato de o Estado brasileiro reconhecer, em princípio, sua obrigação para com os seus cidadãos no que tange à garantia da liberdade de crença ou religião e a promoção de um ambiente de investigação imparcial sobre o fenômeno religioso.
 
Com relação ao Estado de Alagoas, a Constituição Estadual traz no seu conjunto de artigos, incisos e parágrafos e alíneas, um artigo que versa sobre o combate a intolerância religiosa, instituindo, o Dia Estadual de Combate a Intolerância Religiosa. O texto constitucional foi recentemente incorporado na Carta Estadual e recentemente neste ano de 2012, o Governo do Estado de Alagoas, veio a público em ato solene pedi perdão pelo “Quebra de Xangô” ocorrido em 1912, onde os terreiros de religião de matriz africana sofreram atentados e seus adeptos foram barbaramente espancados.
 
O texto Constitucional traz a seguinte redação:

 



 

Lei nº 7.028 de 16 de Janeiro de 2009.

 

Dispõe sobre a instituição do dia de combate à intolerância religiosa.

 

O Governador do Estado de Alagoas. Faço saber que o Poder Legislativo Estadual decreta e Eu sanciono a seguinte Lei.

 

Art. 1º Fica instituído o DIA ESTADUAL DE COMBATE A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA, a ser comemorado anualmente no Estado de Alagoas no dia 02 de fevereiro.

 

 

 

Ainda no artigo 201 em seu conjunto de parágrafos, o texto constitucional estadual nos traz a seguinte redação sobre a Educação Religiosa,

 

Art. 201 - A Educação Religiosa constituirá área de ensino de oferta obrigatória pelas escolas públicas estaduais e municipais, guardados os seguintes princípios:

 

I - facultatividade da matrícula;

 

II - compatibilidade do conteúdo programático aos diferentes credos e cultos;

 

III - docência, em relação a cada credo, por professores credenciados pela autoridade religiosa correspondente.

 



 



2. DESENVOLVIMENTO
 


 
Na escola, diante da diversidade cultural e das Tradições Religiosas em que o educando se insere, o Ensino Religioso, por meio do estudo do fenômeno religioso, desencadeia o respeito à tolerância para com o diferente. Implicando ao professor de Ensino religioso compreender os movimentos específicos das diversas culturas, cujo substantivo religioso colabora com a constituição de cidadãos multiculturalistas, e também valorizar a diversidade daquilo que distingue os diferentes componentes culturais, com a finalidade de adotar na sua prática, políticas educacionais e sociais de valorização da diversidade. Visando o processo de construção da cidadania, tendo como fundamento igualdade de direitos entre todos os cidadãos, cujo propósito seja fomentar o diálogo inter-religioso e a tolerância a toda e qualquer religião, posicionamento necessário em busca de uma cultura pela paz e da fraternidade universal.
 
A Educação Religiosa ou Ensino Religioso, disciplina escolar, desenvolve-se como uma área de conhecimento que recobre uma das manifestações mais antigas, diversificadas e ricas dos seres e dos grupos humanos: o fenômeno religioso. Tal é sua diversidade, porém, que uma das grandes tentações do professor de Ensino Religioso seria pretender classificar todas as expressões religiosas num determinado gênero, as religiões, por exemplo. E, ainda, considerar que sua disciplina, como outros setores das ciências humanas, deve-se ocupar unicamente do que é comum a todas as religiões, deixando de lado o específico de cada religião, para não correr o risco de proselitismo. Em termos técnicos, desde que no século 19 tomou-se consciência da diversidade religiosa, que viu nascer o estudo comparativo das religiões, a expressão fenômeno religioso passou a ter um valor transcendental ou analógico, designando formas substancialmente diversa do ser humano responder por ritos e mitos, ao anseio de transcendência inscrito no fundo de si mesmo.
 
A opção de falar das religiões como se fosse um gênero, buscando o que seria comum a todas elas, além de pouco científica, desconhece a realidade dos fatos. Pouco científica porque hoje, mais do que nunca, valoriza-se a ciência capaz de captar a diversidade existente no seu campo de observação e de estudo. Desconhece a realidade dos fatos porque, como demonstram inúmeros exemplos práticos, operaria um verdadeiro nivelamento por baixo, levantando a suspeita de que a Educação Religiosa tende a esvaziar cada uma das religiões no que tem de próprio e de específico, era favor de uma religiosidade genérica e de uma espiritualidade politicamente correta talvez, mas superficial e desconhecedora do vigor da fé. Não se pode negar que a fé, quando autêntica, está na gênese de todos os ritos, dos mitos, das práticas e das instituições religiosas, pois é ela que sustenta a vida, muito mais do que uma simples religiosidade genérica. É a fé que anima a atividade dos verdadeiros religiosos, a começar pelos que estão dispostos a dar a vida pelo que acreditam, sem que possam ser acusados de fanatismo, como os mártires, encontrados em todas as tradições religiosas, das origens cristãs ao holocausto, sem menosprezar a qualidade moral e espiritual de suas muitas manifestações frequentemente classificadas de fanatismo.
 
A sociedade civil tem-se mobilizado por meio da constituição de conselhos, grupos de pesquisa e fóruns de discussão para suprir a necessidade de trabalhar este tema de forma satisfatória nas escolas públicas e privadas, conforme sugerido nas legislações citadas ao longo deste texto.
 
Não obstante, este processo não pode ser levado como um jogo de forças em que as minorias religiosas presentes em nosso país sejam submetidas à decisão da maioria. O papel do Estado é o de garantir que todas as expressões religiosas possam participar deste diálogo e desta construção de forma equilibrada. Deixar que as forças da sociedade busquem por si mesmas resolver esta questão constituirá no claro abandono das atribuições estatais previstas na Constituição Federal e em outros documentos nacionais e internacionais que regem a política nacional.
 


3. CONCLUSÃO

 

 
 
A diversidade religiosa advinda da elaboração cultural, sempre esteve presente na história da humanidade, como uma forma de questionar sobre o sentido da vida e da transcendência em relação às questões vitais que preocupam o ser humano: de onde vim? Para onde vou? Dentro dessa perspectiva, cada religião assume diferentes formas de acreditar, de celebrar, de rezar, e de relacionar-se com alteridade e de simbolizar de formas diferentes as experiências religiosas vivenciados pelo povo de cada cultura.
 
Por isso, é importante que se estabeleça um diálogo respeitoso e solidário entre as diferentes religiões, enriquecendo a convivência humana. Mas para tanto, é necessário que os cidadãos sejam sensibilizados por meio da educação nas escolas para olhar a alteridade, reconhecendo o universo religioso das diferentes religiões, admitindo que todas elas têm valor intrínseco. Pois, segundo Incontri e Bigheto (2010) “o melhor antídoto do preconceito é o conhecimento”. [...] sem nenhuma dúvida haverá muito que nos encante e nos fale ao coração.
 
Dentro dessa perspectiva, o Ensino Religioso como disciplina regular do currículo das escolas oficiais de ensino fundamental, poderá contribuir para que o os cidadãos iniciem o caminho do aprendizado em busca da aceitação das diferenças de comportamento, na medida em que começarem, a ler, a pensar e refletir sobre as diferentes tradições religiosas presentes nesta sociedade. Por isso, narrar às experiências, dialogar, discutir em sala de aula entre alunos e professores, incrementar as pesquisas sobre pedagogias multiculturalmente comprometidas, é, sem dúvida, um material significativo na produção do conhecimento sobre a diversidade cultural religiosa, característica marcante da sociedade brasileira.
 
Dentro dessa perspectiva, é essencial, a formação de professores do Ensino Religioso a partir da perspectiva da diversidade cultural, voltada para o domínio dos conteúdos, das metodologias e da sensibilidade; como dimensão política, mais assemelhada à amorosidade, no sentido atribuído por Paulo Freire, que se identifica com o conjunto de atitudes de alguém que opta por trabalhar pelas e com as minorias. Para que a escola seja realmente um espaço inclusivo de todos os cidadãos, a formação intercultural religiosa terá, nesta perspectiva, um papel central para criar condições e promover diálogo e a troca entre diferentes grupos como complementação benéfica para todos, superando a hierarquização e a valorização unilateral, encaminhando-se para construir um diálogo saudável entre as diversas tradições religiosas, necessário em busca da Cultura de Paz e da Fraternidade Universal.
 
Por fim é preciso ressaltar mais uma vez que o caráter de laicidade do Estado não lhe proporciona isentar-se deste tema. Ao contrário, é mesmo por esta característica que deve prevalecer sua autoridade enquanto ente responsável por garantir e estabelecer a justiça. Nesta perspectiva, há que se reconhecer que um Estado justo é aquele que não permite a uma ou outra tendência religiosa impor o estudo aprofundado acerca de suas escrituras e dogmas em detrimento de outras. A doutrinação religiosa é algo que compete às próprias igrejas e aos grupos religiosos realizar com seus fiéis. A educação religiosa oferecida nas escolas há de ser algo voltado para o entendimento da cosmovisão que cada religião traz e de como essas diferentes cosmovisões podem se integrar, harmonizar-se e se complementar – ou pelo menos conviver de forma pacífica, respeitosa e harmoniosa.
 
A diversidade religiosa manifesta-se no contexto escolar na multiplicidade de comportamentos, atitudes, valores, símbolos, significados, linguagens, roupas e sinais sagrados, bem como nos referenciais éticos e morais utilizados pelos sujeitos para realizarem suas escolhas em relação ao outro, ao mundo e à vida. Interagir com a diversidade de conhecimentos, territórios e territorialidades presentes no cotidiano escolar é altamente desafiador. Que nós educadores, possamos balizar nossas consciências e práticas pedagógicas com base nestes princípios.
 


 


4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 
 
  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. (Disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm).
  • ______. Diversidade Religiosa e Direitos Humanos. Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Presidência da República: Brasília, 2004.
  • ______. Parâmetros Curriculares Nacionais – Bases Legais. Ministério da Educação: Brasília, 2000.
  • ______. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. 4ª edição. Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Presidência da República: Brasília, 2006.
  • ALAGOAS. Lei nº 7.028 de 16 de Janeiro de 2009.
  • FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000, p. 67.
  • ______. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
  • FONAPER, Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso. 2 ed. São Paulo, SP: Ave Maria, 1997.
  • GEFFRÉ, Claude. A fé na era do pluralismo religioso. In: TEIXEIRA, Faustino Couto (org.). Diálogo de pássaros: nos caminhos do diálogo inter-religioso. São Paulo: Paulinas, 1993.
  • INCONTRI, Dora; BIGHETO, Alessandro Cesar. Ensino Religioso sem Proselitismo. É Possível? Disponível em < http: www.panoramaespirita.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=2049>. Acesso em 12 março. 2012.
  • UNESCO. Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural. Disponível em http: http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf Acesso em 12 março. 2012.
  • OLIVEIRA, Lílian Blanck et. al. Ensino religioso no ensino fundamental.São Paulo: Cortez, 2007.Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Religioso. Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso. 1996.
  • Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Religioso. Forum Nacional Permanente do Ensino Religioso. 1996.
  • VIESSER, Lizete C. Um Paradigma didático para o Ensino Religioso. Rio de Janeiro, Vozes, 1994.
  • http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/70455/16/constituicaoAlagoas.pdf. Acesso em: 09/04/2012.
 
 
 

1Art. 5º, inciso VI.

 

2Idem, inciso VII.

 
3Art. 210, §1º.

 

0
3 mil visualizações •
Denuncie conteúdo abusivo
Marcus Swell Brandão Menezes ESCRITO POR Marcus Swell Brandão Menezes Escritor
Maceió - AL

Membro desde Agosto de 2014

Comentários