ÊXODO CULTURAL- Tchello d’Barros
ÊXODO CULTURAL
Tchello d’Barros
Prólogo 1: Encontrei na rua conhecido e competente artista visual da região, que não sem certa revolta, avisa que está indo embora para o eixo Rio-Sampa, buscando mais espaço para sua produção, buscando mais reconhecimento e aceitação para sua obra. Isso tudo depois do mesmo, para sobreviver, ter feito logotipos de propaganda, painéis para políticos e até desenho para estamparias.
Prólogo 2: Conheço o caso de um ator, que foi embora em busca de melhores oportunidades, por que na região não dava mais pra viver de teatro. Ou melhor, não dava nem pra sobreviver. Reclama que o povo só vai ao teatro assistir as peças com atores globais, e as peças locais, geralmente com muita pesquisa e ensaio, não tinham prestígio por parte da comunidade regional. Hoje, para pagar as contas, ele apresenta esquetes sobre saúde e higiene para trabalhadores nas empresas, faz animações como palhaço e performer em festas noturnas.
Prólogo 3: Hoje me ligou uma poeta amiga minha, feliz por ter conseguido um emprego, exercendo um trabalho burocrático, que prescinde de habilidades de comunicação escrita. Ela acrescenta que infelizmente não haverá tempo para continuar escrevendo literatura, pois terá que, além de trabalhar, voltar a estudar para subir na carreira e melhorar de vida.
Naturalmente que esta lista poderia estender-se muito mais, incluindo-se aí talvez o exemplo do próprio leitor, que em algum momento da vida teve de optar entre uma atividade lúdica e artística para dedicar-se ao estudo e trabalho, necessidades absolutas do sistema capitalista e consumista em que vivemos. Nada contra trabalhar honestamente, com dignidade, conforto e qualidade de vida.
O que se quer contrastar aqui são nossas escalas de valores contra as prioridades que se fundamentam em função de nossas necessidades sócio-político-econômicas, em detrimento daquilo que poderíamos chamar de realização pessoal. O resultado é o que estou nominando de Êxodo Cultural, ou seja, um abandono temporário ou definitivo de uma vocação, de um talento, de um dom. Este êxodo não quer dizer apenas que as pessoas vão embora de um lugar, em busca de outras oportunidades, mas vão embora de si mesmas, da própria arte, do próprio segmento ao qual gostariam de estar dedicando-se, exercendo a expressão artística, os talentos latentes, veículos pelos quais pode-se não apenas criar emoções estéticas, mas até mesmo questionar, denunciar e revolucionar, para mencionar o caso de artistas mais engajados.
De quem é a culpa? Uns dirão do governo, outros acusarão o empresariado, e há quem prefira alfinetar a burguesia alienada. Mas prefiro pensar que é minha mesmo, como cidadão, cada vez que deixo de prestigiar uma exposição de arte, de ler os autores da região ou de assistir uma peça de teatro.
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