CRÔNICA 1 - Velhos anos
Longínquos anos sessenta. Noite de Natal ou Ano Novo, não lembro ao certo. Festa de rua, no entorno da igreja. A cidade em peso para ali acorreu. Barracas, as dezenas, atendem aos desejos desenfreados de consumidores das mais desenfreadas iguarias. Nos alto-falantes ecoam as músicas do novo disco de Roberto Carlos, sucesso absoluto. Como sempre, fã inveterado de RC, curto as músicas enquanto passeio entre o aglomerado humano, que, à circular, ergue uma finíssima poeira do chão de terra batida. Nada novo: as mesmas caras, as mesmas barracas, as mesmas comidas, bebidas, carrosséis etc. Novo mesmo só o disco de Roberto Carlos. Até o padre que irá celebrar a missa da meia-noite é o de sempre.
Mas, eis que um fato novo acontece: alguém passa por mim e sorri. Não lembrava de tê-la visto antes, então por que me sorriu? Sorriu e sumiu na multidão. Não dei muito valor ao fato e segui em frente despreocupadamente. Mais a frente, ela reaparece, acompanhada por uma amiga. Dessa vez as duas olham para mim, sorriem, cochicham e afastam-se rindo. Fiquei intrigado. Pareceu-me que estavam flertando comigo. Bem, nessa época eu devia ter por volta de dezesseis anos. Ainda estava engatinhando em questões de namoro. Minha primeira namorada — uma lourinha linda — foi namoro de festa. O namoro durou três dias. A segunda, acabou comigo por ciúmes. Estava regressando a minha cidade, em férias, e ela não resistiu a possibilidade de ser traída. Enviou-me um seco bilhete: “Estás indo em férias e com certeza vais arranjar outra. Não aceitarei isso. Está acabado!”.
Como no momento estava dando nó em pingo d’água, necessitando desesperadamente de uma namorada, resolvi ficar atento a uma possível nova investida. Eis que, não demorou muito, elas voltam e pude notar quem de fato estava interessada. Devia ter uns quatorze anos, aproximadamente minha altura, morena clara, cabelos lisos e muito bonita.
Dessa vez eu sorri e caminhei em direção a elas. Surpresa. Elas giraram e seguiram rumo sul. Afoitamente as segui até que, após passarem os limites da festa, pararam junto a calçada do oitão da casa da esquina e ali se recostaram. A calçada devia ter uns setenta centímetros de altura. Aproximei-me a falei timidamente: — Oi! — Ela respondeu: — Oi! — “E agora, o que vou dizer”, pensei. — Está gostando da festa? — balbuciei. — Sim, e você? — rebateu ela. — Estava fraca, mas agora que lhe encontrei está ótima. Você é muito bonita. Por que não ficou na festa e veio para cá? — respondi. Sua resposta me desconcertou: — É que se meu irmão me vir namorando me manda de volta para casa — disse com ar tristonho. Eu não esperei um minuto e falei: — Quer namorar comigo?
A resposta, óbvio, foi sim, mas, com a condição de ser as escondidas. Durou um mês. Foram muitos ois, tudo bem, conversas de três minutos, olhares a distância etc. Naqueles tempos longínquos havia muito dessas coisas.
Estava aprendendo a namorar. Todo aprendizado é difícil. Bem como dizia Roberto Carlos naquela música: “... é tão difícil...”.
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