O OLHAR AUSENTE - Tchello d’Barros
O OLHAR AUSENTE
Tchello d’Barros
Novo dia, outro mês, mais um ano. As horas no relógio e os dias no calendário são inclementes ao lembrar que nos distanciamos cada vez mais de nossa data de nascimento. Há que se viver o aqui e agora, dirão alguns. Temos que viver como se cada dia fosse o último, escrevem outros. E há os que deixam como está para ver como é que fica. E vai se levando a vida e empurrando com a barriga, só pra ficarmos nos adágios mais populares. Amanhã a gente vê!
Mas o fato é que a vida passa diante de nós, muitas vezes num desfile espetacular, e nós, desavisados e completamente absortos nas labutas do cotidiano nada vemos. Não percebemos as belezas, muitas vezes singelas, que nos cercam, nos circundam e poderiam estar impregnando nossa alma. É aquela flor que desabrocha, o poente escarlate, a escultura na praça.
Falo daqueles estudantes que passam apressados pela praça do Teatro Carlos Gomes e é como se lá não estivessem aquelas magníficas figuras de bronze do escultor Pedro Dantas, que homenageiam a Dança e o Teatro. São aqueles executivos engravatados que ao se dirigirem com suas valises para um happy-hour no Biergartem, passam impassíveis pela escultura em mármore, do escultor Pita Camargo. É aquela dona de casa, preocupada em pagar as contas, e pela janela do ônibus fita vagamente o horizonte da Itoupava Norte e passa inerte pela imponente escultura de13 metros, do artista plástico Guido Heuer.
É possível que nossa retina crie seus escudos temporários, que parecem se interpor aos nossos olhos. É aquela prova da aula, o negócio a fechar, a conta a pagar, a correria do dia-à-dia, que parecem cegar nossa visão ante uma obra de arte. E no caso exemplificado, falamos em trabalhos tridimensionais a céu aberto.
Eis a dificuldade de se viver o momento, em estar presente, num estado de natural atenção. O ruído interno, pode superar uma impressão visual externa, no caso das esculturas em questão e com isso perdem os artistas, arquitetos, paisagistas e todo e qualquer transeunte, que em função da ausência do seu olhar deixa de estabelecer a necessária cumplicidade fundamentadora das artes visuais: a simbiose estética entre criador e observador, ator e expectador, autor e leitor.
São os desafios e preocupações da modernidade que arrebatam nossa atenção. E assim, andamos como autômatos, alheios à estética extática de silentes esculturas, que muitas vezes não nos absorvem, mas nos observam e quiçá nos absolvem.
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