SONHOS, PALAVRAS E PÁSSAROS - Tchello d’Barros
SONHOS, PALAVRAS E PÁSSAROS
Tchello d’Barros
“Nossos sonhos são pássaros.” Eis aí uma frase simples, muito simples. Talvez seja um verso de um poema ainda não escrito e embora não saiba bem o que quer significar, o fato é que tal palavreado apareceu em um sonho, um desses sonhos comuns, que não tinha nada de especial ou revelador, apenas estava ali, corriqueiramente povoando de imagens um sono que aos poucos aproximava-se da madrugada.
Mesmo assim, poderíamos considerar alguns aspectos dessas enigmáticas palavras. O enunciado menciona “nossos sonhos”, de onde caberia deduzir um eu coletivo, arquetípico, quiçá universal. O enunciado está no plural, apontando para mais de um sonho, talvez todo aquele conjunto de vivências que acontecem quando estamos visitando o reino de Morfeu. Existe até mesmo uma seita antiga que afirma que cada um de nós é em verdade duas pessoas. Uma vive no estado de vigília, o dia-a-dia, e a outra entra em ação assim que pegamos no sono e transita por dimensões paralelas.
Mas essas estranhas palavras, que nasceram diretamente do estado onírico, apresentam-se vestidas de uma linguagem metafórica, uma vez que fazem a comparação com pássaros as aventuras que temos quando dormimos. É assim que passamos a terça parte de nossas vidas. Do ponto de vista consciente e racional, fica difícil ligar um assunto ao outro. Do âmbito mítico e místico é possível assinalar que na história da humanidade nossos amiguinhos alados sempre tiveram um papel de destaque no imaginário dos povos.
É o caso daquele pássaro sempre presente nos hieróglifos egípcios. Lembro da águia símbolo do império romano. Rememoro ainda os quatro pássaros gigantescos, desenhados no solo do deserto de Nazca, no platô peruano. Lembro ainda do conto oriental dos trinta pássaros que atravessam sete vales em busca de seu rei, o Simurg. Ao chegarem, descobrem que eles próprios são o Simurg.
Nessa breve investigação de comparações de sonhos com aves, talvez a leitura mais linear nos diga que o ato de sonhar é como avistar, ou contemplar um pássaro, que em seguida desaparece e aos poucos vai se tornando uma imagem cada vez mais diáfana, uma cena difusa em nossa mente. Um instante fugaz.
E não precisamos também descartar aqui aquela outra interpretação, menos objetiva, de que, assim como o lugar dos pássaros não é nas gaiolas, não devemos também aprisionar nossos sonhos. Refiro-me agora àquele outro tipo de sonho, aos nossos ideais, anseios e projetos. Ou seja, já que o conceito de liberdade, embora abstrato, é uma de nossas maiores conquistas, quando falamos em pássaros estamos dizendo mesmo sem querer, a palavra liberdade. Nossos sonhos são pássaros.
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