A Vila Canindé.
A vila Canindé, hoje com pouco mais de 7 mil habitantes, ocupa um vale na região centro sul do estado do Piauí. Este trecho plano está circunscrito em toda a sua extensão por dois delimitadores bem característicos: do lado oeste a BR 426 determina o limite da depressão com o morro do Curral e liga a cidade de São Raimundo Nonato ao sul com a cidade de Oeiras à nordeste. Pelo lado leste, o rio Curuzu marca a fronteira da planície com o morro da Formiga.
O rio Curuzu nasce na serra do Macaibo de onde desce em corredeira até atingir Canindé, na região do vale. Não é um rio caudaloso e nos dez quilômetros da Vila sua trajetória segue por uma depressão no terreno por onde a água escorre lenta, serena e majestosa formando uma espécie de lagoa com 3 metros de profundidade na parte mais estreita e 50 metros de largura de uma margem a outra no trecho de maior expansão lateral. A sua maior peculiaridade é a praia que se formou justamente no lado que margeia o vale e que a população local aproveita para se refrescar nos dias de calor mais intenso; a meninada, principalmente, tem nessa porção de praia, inesquecíveis momentos de lazer. Do lado oposto o morro da Formiga desce escarpado sobre o rio. Na extremidade Norte, o rio se despede do vale através de um sulco na formação rochosa que represa o fluxo da água, desce a encosta íngreme e se precipita em direção ao oceano.
Canindé surgiu tão logo ficou concluída a BR 426 e um boato de que fora encontrado enorme quantidade de pedras preciosas no local espalhou-se pelo estado. Tal boato correu bares e botecos, invadiu praças, igrejas e fazendas; saiu do interior para a cidade no lombo do burro, e da cidade de volta para o interior no lombo do jumento. Não é todo dia que se tem a possibilidade do enriquecimento rápido e fácil, exigência apenas de disposição, de coragem e sorte, sendo assim, tal boato continuou viagem. Despertando a cobiça dos incautos atravessou o estado de norte a sul e de leste a oeste para se perder somente depois de cruzar a fronteira.
Os primeiros moradores de Canindé eram, na sua maioria, homens solteiros, analfabetos e desempregados, conquanto houvessem também os casados, chefes de família igualmente analfabetos sem serviço e sem trabalho. Eles chegaram àquela região hostil de mata de serrado totalmente virgem sem família nem bagagem, o único patrimônio, eram as roupas que vestiam coladas ao corpo. Poucos com algum dinheiro; endividado, muitos. E todos, sem exceção, ricos de esperança de encontrar a gemaredentora grande o suficiente para proporcionar a independência financeira há muito tempo sonhada.
Guiados pela intuição e cada um no seu próprio momento eles foram chegando àquele ponto da estrada tal qual ave de arribação que migra de um pólo ao outro no planeta em busca de melhores condições de vida. Vindos de localidades tão distante quanto possível a imaginação: de Campo Maior ou de Teresina, no estado do Piauí; de Sobral, no Ceará; de Itacajá, no estado do Tocantins; de Caxias e também de São Luis, no estado do Maranhão, todos tinham a BR 426 como único meio de acesso e só podiam chegar àquele ponto tendo partido de São Raimundo Nonato ao Sul ou de Oeiras à Nordeste. Ali foram chegando, acomodando-se, estabelecendo-se, por ali foram ficando. Raro os dias em que não se registrava a chegada de um aventureiro. Era certo, a cada dia, somar-se mais um àquele ajuntamento, às vezes dois. Houvera dias de chegarem três. O número crescente de moradores em pouco tempo já superava as três dezenas, e o local já começava a apresentar enorme transformação em meio à desordem.
Todos foram atraídos pelo boato do garimpo, que, na verdade, nunca existiu. Muito provavelmente o desmentido também tenha chegado aos ouvidos de alguns. Entretanto, quando se leva a vida sob enorme necessidade de dinheiro, de alimentação, de dignidade... e quando se soma a essas necessidades responsabilidades prementes, inalienáveis e doridas com a família constituída, e a vida enquanto isso, mantém-se eternamente em suspenso, sem qualquer perspectiva de dias diferentes, melhores... um boato como o do garimpo, com promessa de enriquecimento rápido da noite pro dia, é mais do que melodia para ouvidos cansados do lamuriante som da dificuldade e da rotina. Informação auspiciosa como esta não pode ser boato, é a providência batendo na porta. Duvidar, menosprezar, fazer ouvidos moucos? Não senhor! Certamente que nesse país enorme muito ouro ainda há de ser descoberto, e sendo brasileiro, garantir uma pequena parte desse quinhão não configura esperteza, mas apropriação de devido direito. Tal enriquecimento não advém do roubo ou da ilicitude, mas do trabalho legal, honesto, sacrificado. É preciso encontrar alguém que patrocine a viagem. Sem patrocínio o jeito é vencer a estrada a pé, ou de carona na boleia, ou na caçamba do caminhão. O que importa é chegar, trabalhar, vencer.
Este o perfil dos pioneiros de Canindé: desbravadores, muito mais do que aventureiros crédulos e inocentes. Em comum todos criam sim, que a força sobrenatural do destino aliada a fé e a vontade do indivíduo é capaz de mudar a sua vida, o seu futuro. E foi com tamanha fé que largaram para trás tudo ou quase nada do que possuíam. A decepção com a inexistência de pedras preciosas no rio Curuzu, não abalou a disposição de continuar em frente para fugir do marasmo e levar adiante os sonhos de uma vida diferente, com trabalho e dignidade. Naquela vereda incrustada em pleno serrado na região centro sul do Piauí, não havia esmeraldas, mas havia grande quantidade de camarão de água doce, de cará, traíra e outros peixes; não havia turquesas, mas havia jacu e camaleão, ave e réptil abundantes naquela região; não havia diamantes a serem garimpados, mas havia, além da bela paisagem, caju e murici em quantidade suficiente para alimentar um batalhão.
Os primeiros casados a chegarem, de imediato delimitaram seu pedaço de chão e construíram seus casebres em taipa de sebe já contando com a vinda da esposa e dos filhos tão logo fosse possível. Ainda eles, tendo granjeado o respeito e a deferência dos solteiros, com muito trabalho e sacrifício assumiram a liderança local, definiram o traçado das primeiras ruas e determinaram os espaços para as futuras construções.
A BR 426, por onde chegaram os fundadores de Canindé, continua trazendo novos moradores. A estrada também facilitou o envio de notícia aos parentes daqueles que para ali vieram. Era através dela, unicamente, que se tomava conhecimento de toda novidade exterior, pela boca de motoristas e caminhoneiros que por ali trafegam em viajem. É por meio da BR 426 que se faz, até hoje, o comércio de todo tipo de produto necessário àquela comunidade, e somente depois de muitos anos de existência do vilarejo foi que, pela estrada, também chegou a luz. Portanto, a fundação de Canindé se deve ao boato do garimpo, mas foi a estrada que viabilizou e impulsionou o seu crescimento e se mantém como único meio para o seu desenvolvimento. Hoje, a vila já ocupa todo o vale e em virtude de sua topografia, não tem mais para onde se expandir.
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A vila Canindé, que deu nome ao título, era só o começo de um conto que não consegui levar adiante. Fechou-se em si mesmo, infelizmente.
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